Powered By Blogger

domingo, 31 de maio de 2020

NOUTRO LUGAR...

Foto de Learn MOre
Quero neste outro lugar acordar bem cedinho
Pra ver o Sol, a seda da manhã sutilmente descortinar
Antes que ele dissolva a tênue névoa, com o seu calor
Com paciência o café no coador de pano, esperar passar
Encher o bule de ágata verde e sentar na varanda
Enquanto o Sol se anuncia, o café na caneca saborear...

Quero daqui vislumbrar a extensão dessa campina
Que lá no horizonte esbarra com um céu de azul profundo
Deitar na relva e ficar quarando, imitando as roupas no varal
Dançantes sob o mesmo vento, que tange nuvens a cada segundo
Fechar os olhos na claridade e sentir ao redor toda dimensão
Pra esquecer que além dessas montanhas existe um mundo...

Quero caminhar sem pressa por essas tortas trilhas
Ver borboletas coloridas em seu vôo lúdico balançando
Ouvir passarinhos cantando nas copas das árvores ao redor
Pisar no caminho onde a última chuva caiu, o barro moldando
Seguir o barulho da cachoeira entre os verdejantes arbustos
Até descobrir sua nascente entre as pedras borbulhando...

Quero sentir o cheiro bom da comida feita no fogão à lenha
Panelas fervendo na trempe, anunciando a chegada do meio dia
Comer feijão tropeiro, com arroz branco, couve, linguiça e farinha
Suco de uma fruta da estação, doce de leite com queijo, me delicia
Depois da refeição, uma rede na varanda à "siesta" me convida
Um breve cochilo, enquanto entre os montes a luz do Sol jaz vadia...

Quero tomar banho nas águas doces que vem desse caudaloso rio
E à noite, com a volta do frio, uma cachaça de rolha pra esquentar
Ficar admirando no céu noturno o lume infinito das estrelas
Tendo a impressão que estendendo a mão, posso o brilho delas alcançar
Ouvir o cricrilar dos grilos na relva e ver as mariposas procurando a luz
Além das luzes das casinhas distantes e os vagalumes no breu a piscar...

Quero debulhar meus pensamentos na varanda, até alta noite-madrugada
Sentindo o sopro da brisa tremeluzir a chama mortiça do lampião 
Perceber, além do calar das vozes, somente o som dos animais na mata
Receber o fluir sereno da paz, que há tempos faltava ao meu coração
Aguçar solenemente os sentidos e sentir flutuar meu espírito
Abraçar com paixão o silêncio... E dormir aninhado nos braços da solidão.



João C. Lima.

sábado, 30 de maio de 2020

PENUMBRADA...

Sem perceber
Bebi da taça rubra do seu amor
Que ao descer rascante pela garganta
Queimou em meu peito numa estranha dor
Deixando em mim sequelas tantas...

Sem entender
Carreguei sua imagem penumbrada
Que nas noites vem meus sonhos roubar
Numa paixão inquisidora e assombrada
Onde eu te vejo, mas não posso te tocar...

Sem sentir
Me apaixonei por sua presença enigmática
Pelo mistério do seu olhar a me sorrir malsã
Você que no sentir é metódica e matemática
Se perdia voluptuosa em meus braços, nas torrentes desse afã

Sem razão
Busquei em você um amor que nunca tive
Querendo arrancar do seu corpo, sua alma e coração
Acreditando que sem seu ser, o meu não sobrevive
De tanto querer, te perdi numa abandonada estação...

Sem noção
Vaguei sem rumo tendo na boca seu terno gosto
Me vejo vazio, tosco, desse amor perdido um refém
Em delírio vou imaginando as nuances do seu rosto
Na penumbra, no mesmo lugar espero... Mas sei que você não vem...


João C. Lima.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

AQUI ONDE A BRUMA...


Aqui onde a bruma desce
Pairando rente a grama
Congelando o orvalho da madrugada
Com a sutileza do frio numa filigrana
Penetra gelando a casa, assim mesmo fechada...

Aqui onde a bruma alcança
Espessa rente a grama
Petrificando do orvalho cada gotícula
Para aquentar o frio, ateando a chama
Ao sorver o vinho da velha vinícola...

Aqui onde a bruma espera
Debruçada rente a grama
Vitrificando o orvalho na relva  
Enredando o corpo nessa fria trama
Enquanto meus lábios exploram sua selva...

Aqui onde a bruma descansa
Sonhadora rente a grama
Imobilizando o orvalho lacrimejante
Trazendo lembranças daquela dama
Em meus sonhos de poeta delirante...

Aqui onde a bruma paira
Brilhante rente a grama
Reluzente ao Sol o orvalho aquece
Como quando o corpo dela inflama
E na intensidade do afã meu desejo apetece...

Aqui onde a bruma mora
Acolhedora rente a grama
Absorvendo do orvalho o sumo que for
Enquanto ela me absorve em sua cama
E espanta do meu corpo, o frio, fazendo amor...


João C. Lima.






 







terça-feira, 26 de maio de 2020

ERRANTE...

A poeira da estrada
Dança
Na lembrança
Quase nada.
De onde para onde vou
Sou errante viajante
Dos caminhos tripulante
Sem saber aonde estou.

Vou assim
Só, andarilho
Pelas trilhas que trilho
Nessa andança sem fim.
Sem saber onde chegar
Dessa vida eterno andante
E dos versos, poeta errante
Caminhante das palavras por versar.

Nem sei se chegar quero
Ou em qual destino
Nem deixar de ser menino
Para sempre adolescente, espero
Quando adulto jamais sou
Mas na febre do caminho
Sou poeta, sou sozinho
Errante, versando vou...


João C. Lima.





domingo, 24 de maio de 2020

DENTE-DE-LEÃO...

Meu cigano coração
Voa ao vento vão.
Sem rumo
Ou direção
No inverno
Em pleno verão.
Voa longe, meu coração
Buscando outro
Querer então
Sem saber quando sim
Sem perceber se é não.
Voa acima dos prédios
Em construção
Sobre o mar
Na imensidão.
Voa com fictícias asas
Tendo o afã como propulsão
Voa livre
Mas preso a essa paixão.
Na corrente de ar
Da ventania que despetála a estação.
Na brisa que se transforma
Num tufão.
Levando o que resta
Da desilusão.
Do vento frio que gela a alma
Na solidão.
E que quente me ampara
De noite na escuridão.
Vento venta soturno
Leva a minha aflição.
Espalha o que for desejo
Soprando ao longo dessa vastidão.
Leva todo meu pueril sentir
Me leva levemente daqui
Para um novo amor, noutro porvir.
Vento vadio, de meia estação
Me leva suave, em total rendição.
Me leva pelos ares
Entre flores e mares.
Nesse louco amor de perdição.
Me faz refém, carrega meu bem
E no mal que nele encerra vem.
Vento sutil e breve, febril e leve
Vento de ocasião.
Me leva sem amarras
Me carrega contigo.
Numa corrente mágica de ar
Pra longe deste e de todo lugar.
Como um dente-de-leão...


João C. Lima

quinta-feira, 21 de maio de 2020

"PERDITA"...

Cravo e canela
Sua pele retinta
Fera a bela
Com sorrisos me finta.

Rosa e citronela
Essa paixão infinita
Barco e a vela
Com olhares me fita.

Córdoba e Compostela
Meus versos ela dita
Pintura e tela
Com cores me pinta.

Cavalo e cela
Nesse transe medita
Fotografa e revela
Com gestos me imita.

Tempero e panela
Me cozinha a bendita
Batata e costela
Com agrião na marmita.

Veloz e gazela
Me controla e limita
Doce e donzela
Me domina a "Perdita"...

João C. Lima





terça-feira, 12 de maio de 2020

DEPOIS QUE O VÍRUS PASSAR...

                                             (Nuvens passageiras - foto de Marcos Souza)

Depois que o vírus passar...
Não sabemos ao certo como o este mundo será
O céu azul acima de nós certamente não será o mesmo
Nem as coloridas flores no jardim ou as ondas sinuosas do mar
Sairemos pelas ruas bailando sem direção, loucos à esmo
Tentando não perder o que nem chegamos a encontrar
Redescobrindo abraços ternos... Até outros cálidos beijos
Buscando em vão exorcizar do coração antigas súplicas e desejos
Num suspiro respirar o ar ou perceber a fragrância de qualquer perfume
Até que aquela velha dor no peito pare sozinha de sangrar
Se extasiar na noite com a Lua e o infinito de estrelas em lume
Ou simplesmente as mãos um do outro reaprendermos a segurar...



João C. Lima

sábado, 9 de maio de 2020

A BELA DE MÁSCARA...

Deparei com ela na rua ali bem diante de mim
Em meio ao pandemônio dessa pandemia
Percebi o seu olhar me sorrir mesmo assim
Por trás daquela máscara que seu rosto protegia

Seus cabelos de castanhos fios reluziam a luz do dia
Com sua pele feita de porcelana ou de um suave cetim
Senti invadir meu coração um vírus de pura euforia
Como um sabor que se espalha pela boca e parece nunca ter fim...

Ela disse alguma coisa, mas sob a máscara eu mal escutei
Instintivamente contive o impulso dela me aproximar
Por um estúpido e precioso instante indeciso fiquei

E caminhei trôpego em sua direção evitando nas pessoas esbarrar
Quando cheguei onde ela estava, aturdido então reparei
A misteriosa bela de máscara, como surgiu sumiu em pleno ar...

 João Carlos Lima.